Filosofixel
E se tudo o que você sabe sobre a vida estivesse... invertido? É o que Schopenhauer tenta nos mostrar: o bem que não é tão bem assim, e o mal que não é tão mal assim. É que a ordem natural (ou que sempre nos fora apresentada como natural) das coisas não é assim tão natural. Já te explico!
Este é um dos artigos que até então mais gostei de escrever. Vale avisar que essa explicação sobre a Vontade, antes de mais nada, é baseada em Schopenhauer (1788 - 1860), filósofo da Polônia. Pretendo escrever mais sobre Schopenhauer, pois há muitos conceitos importantes em seus livros. Esse pequeno artigo pretende apenas dizer um pouco sobre a Vontade e também sobre a felicidade, visto que uma está intimamente relacionada com a outra.
Pois bem, sem mais delongas.
Muitos foram os que tentaram descobrir o sentido da vida, sempre em vão. Novas hipóteses, novas teorias, novas formas lógicas de pensamento sempre fazem questão de contrapor os resultados a que se chega. @s metafísic@s fizeram o que puderam para responder à pergunta "o que é o ser humano?"; @s epistemólog@s também fizeram o que estava a seu alcance para nos dizer se é possível conhecer, como podemos conhecer, o que é que podemos conhecer. A Filosofia, enfim, por muitas vezes foi dedicada a algo que não se sabe exatamente o que é. E digo isso no sentido de que as respostas que se mostram às perguntas formuladas sempre tentam escapar pelas mãos de quem, esperto, tenta agarrá-las. Digo isso também porque muit@s d@s filósof@s, em suas várias áreas de pesquisa, sempre parecem retornar a um vazio infinito perante o questionamento infinito d@s mesm@s.
Se isso acontece, talvez é porque falte algo; alguma coisa que passa despercebida a muit@s dess@s filósof@s. Schopenhauer, geralmente caracterizado como pessimista, me parece ser um dos poucos capazes de responder a certas perguntas da Filosofia com toda a clareza e realismo possíveis. Seu conceito de mundo, "O Mundo como Vontade e Representação" [Die Welt als Wille und Vorstellung*], que virou até título de seu importante livro, é algo que nos dá um choque na percepção de mundo. Com muita clareza Schopenhauer nos diz que o mundo seja Vontade e Representação, e isso será mostrado nesse artigo.
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* (Vorstellung é mais concedida pelos tradutores de Schopenhauer, em inglês como idea, e poderia até ser tida como ideia em português, mas representação é a melhor palavra; tanto é que nas traduções em português usa-se mesmo representação).
O que é a Vontade?
A Vontade é um querer inútil que vive dentro de nós; querer não se sabe o quê e não se sabe para quê, gerando sempre ou dor ou tédio profundo; resignação. A Vontade nos arrasta sem dizer pra quê ou como; ela apenas nos arrasta sem destino algum, e as pessoas ficam desesperadas procurando um sentido pára a vida, o maravilhoso objetivo de vida, a completude do "buraco existencial", quando, na verdade, as próprias pessoas são somente Vontades. Vontades representadas em corpos, e corpos que se afastam da contemplação e da negação da Vontade porque são Representações e se confundem; as pessoas se confundem sobre a verdade porque enxergam as representações, e não se enxergam enquanto Vontades. O modo como vivemos também dificulta a compreensão da Vontade.
Por ser incompreensível e nos mover sem rumo, a Vontade torna o mundo um local imenso e cheio de algo já bem conhecido por vós, chamado "dor". A dor é a existência positiva porquanto existe em maior quantidade no mundo, enquanto a felicidade é negativa. Schopenhauer critica claramente as metafísicas que tanto fizeram por considerar a dor e a felicidade em uma inversão. Um fragmento de sua obra "As Dores do Mundo" nos ajuda a compreender como devem ser consideradas a dor e o desagradável:
Também a possibilidade de um momento de felicidade nos leva por outros caminhos. Quando uma pessoa se sente feliz, podemos observar isso como uma negação da realidade, uma subversão do natural, sendo isso que faz com que a dor seja positiva e a felicidade negativa: a felicidade é uma subversão da realidade; quando o sujeito consegue chegar a esse ponto, somente aí é realmente feliz (não que isso costume durar muito; pelo contrário). No entanto, percebe-se uma raridade muito maior da felicidade que nos demais sistemas metafísicos, e isso é algo que impressiona à primeira vista. A felicidade é tida como banal, como sentimento que está por aí assim como os demais, mas na filosofia schopenhaueriana ela toma a forma de algo muito maior.
O filósofo chega a colocar a felicidade como algo presente no passado, e também no futuro. No presente, sua forma apenas nos confunde, e podemos enxergá-la depois que passamos por ela, ou enquanto ainda não estamos nela. A felicidade do futuro são os sonhos, os desejos, o "querer"; já a felicidade do passado, bem sabe @ leitor(a), é algo que jamais tornará a ser, e que, em dado momento pode ter sido da melhor forma possível. É lembrança incurável que no presente apenas nos atormenta como impossibilidade de reexistência.
Finalmente, para @ leitor(a) atent@, explico, já contendo os conceitos de felicidade e de Vontade e Representação em Schopenhauer explicados, o que se quis dizer com "não se sabe exatamente o que é" que a filosofia busca. E também, na mesma afirmação, explicar-se-á aquilo que se quis dizer com "Muitos foram os que tentaram descobrir o sentido da vida, sempre em vão".
Essas afirmações giram em torno do sentido da vida. Já com as concepções de Schopenhauer, com a Vontade, com a felicidade, e com a representação, podemos analisar que este não se dá. O sentido da vida, ou o objetivo, não aparece aos seres humanos, simplesmente pelo motivo básico: esse sentido tão maravilhoso buscado não existe. Para Schopenhauer, a vida se resume a dor; a tentativa maior de negação dessa dor é a contemplação da Vontade, que pode se dar pelas artes (tema extenso demais para tratar agora), e a negação também da Vontade. Apesar de sua filosofia se estruturar assim, vale lembrar, Schopenhauer em nenhum momento defende o suicídio ou semelhante atitude. Não se pode fugir da Vontade, fugir de si mesmo. Um juízo deste blog, afinal: a felicidade rara e que acontece em poucos momentos deve valer muito mais do que a felicidade banal dos outros sistemas metafísicos, e a de Schopenhauer é suficiente para que a vida seja preferível.
A vida do homem oscila, como uma pêndula, entre a dor e o tédio, tais são na realidade os seus dois últimos elementos.
Por ser incompreensível e nos mover sem rumo, a Vontade torna o mundo um local imenso e cheio de algo já bem conhecido por vós, chamado "dor". A dor é a existência positiva porquanto existe em maior quantidade no mundo, enquanto a felicidade é negativa. Schopenhauer critica claramente as metafísicas que tanto fizeram por considerar a dor e a felicidade em uma inversão. Um fragmento de sua obra "As Dores do Mundo" nos ajuda a compreender como devem ser consideradas a dor e o desagradável:
Tudo o que se ergue em frente da nossa vontade, tudo o que a contraria ou lhe resiste, isto é, tudo que há de desagradável e de doloroso, sentimo-lo ato contínuo e muito nitidamente. Não atentamos na saúde geral do nosso corpo, mas notamos o ponto ligeiro onde o sapato nos molesta; não apreciamos o conjunto próspero dos nossos negócios, e só pensamos numa ninharia insignificante que nos desgosta. — O bem-estar e a felicidade são portanto negativos, só a dor é positiva.Outros argumentos de Schopenhauer de enorme peso se encontram logo em seguida:
Não conheço nada mais absurdo que a maior parte dos sistemas metafísicos,[grifo nosso] que explicam o mal como uma coisa negativa; só ele, pelo contrário, é positivo, visto que se faz sentir... O bem, a felicidade, a satisfação são negativos, porque não fazem senão suprimir um desejo e terminar um desgosto. Acrescente-se a isto que em geral achamos as alegrias abaixo da nossa expectativa, ao passo que as dores a excedem grandemente. Se quereis num momento esclarecer-vos a este respeito, e saber se o prazer é superior ao desgosto, ou se apenas se compensam, comparai a impressão do animal que devora outro, com a impressão do que é devorado.A Vontade, então, criadora dos desejos e do querer, funcionaria como a dor natural que se tem que aguentar. É uma agonia da qual não se conhece o motivo. A Vontade tem de ser saciada, claro, e por isso enxergamos a mesma como algo bom, algo que nos faça bem. No entanto, ela é criadora dos impulsos que nos fazem desejar, e com isso nos leva a caminhos gananciosos, pretensiosos, individualistas, egoístas. Nós é que somos a Vontade, contudo, e sendo a vontade, não podemos sair dela, mas podemos e devemos subvertê-la, ultrapassá-la, negá-la. É aí que entra a felicidade: uma raríssima parte da existência que está na negação da Vontade.
É possível a felicidade?
Durante a vida, em alguns momentos, ficamos em um estado que ousamos chamar de "felicidade". Esse estado é passageiro, breve, e quando se acaba, logo retorna a dor. Levando em consideração que mundo seja totalmente feito de dor por conta da Vontade, e que a negação da mesma nos leva ao oposto de tudo aquilo que esta afirma, então, se a Vontade naturalmente nos impõe o egoísmo, o desejo inconsciente da pretensão que nos esmaga a cada dia, a dor, logo sua negação é a expressão do coletivo, do que faz bem. A sociedade, para Schopenhauer, bem como para a maioria d@s pensador@s complexos, se organiza e deve se organizar do coletivo para o individual, e não da forma inversa. Tanto é que, mesmo nos sistemas sociais que julgar conseguir chegar a uma organização do individual ao coletivo, percebe-se a existência da organização do coletivo para o individual. Por exemplo, nos sistemas neoliberais de alguns autores da escola austríaca pode-se perceber a organização natural do mercado frente ao homem. O que é, afinal, esse mercado regido pela mão invisível que controla as regras da distribuição da economia? É uma instituição coletiva, formada pela demanda popular, geral. Também nota-se isso na organização empresarial, que funciona como um corpo coletivo, unido, de concorrência contra outros corpos coletivos. No laissez faire são as empresas que organizam esse sistema, pois são elas que fazem o mercado funcionar, então não pode haver a interferência de um único homem em tudo, por exemplo. Não é a simples "não-interferência" estatal que torna esse sistema individualista. É impossível um sistema social que parta, naturalmente e completamente, do individualismo.Também a possibilidade de um momento de felicidade nos leva por outros caminhos. Quando uma pessoa se sente feliz, podemos observar isso como uma negação da realidade, uma subversão do natural, sendo isso que faz com que a dor seja positiva e a felicidade negativa: a felicidade é uma subversão da realidade; quando o sujeito consegue chegar a esse ponto, somente aí é realmente feliz (não que isso costume durar muito; pelo contrário). No entanto, percebe-se uma raridade muito maior da felicidade que nos demais sistemas metafísicos, e isso é algo que impressiona à primeira vista. A felicidade é tida como banal, como sentimento que está por aí assim como os demais, mas na filosofia schopenhaueriana ela toma a forma de algo muito maior.
O filósofo chega a colocar a felicidade como algo presente no passado, e também no futuro. No presente, sua forma apenas nos confunde, e podemos enxergá-la depois que passamos por ela, ou enquanto ainda não estamos nela. A felicidade do futuro são os sonhos, os desejos, o "querer"; já a felicidade do passado, bem sabe @ leitor(a), é algo que jamais tornará a ser, e que, em dado momento pode ter sido da melhor forma possível. É lembrança incurável que no presente apenas nos atormenta como impossibilidade de reexistência.
A felicidade, portanto, está sempre no futuro ou no passado, e o presente é como uma pequena nuvem sombria que o vento impele sobre a planície cheia de sol; diante dela, atrás dela, tudo é luminoso, só ela projeta sempre uma sombra.A citação acima, também extraída de "As Dores do Mundo", é exatamente o que diz Schopenhauer sobre a felicidade, e seus respectivos tempos de existência.
Finalmente, para @ leitor(a) atent@, explico, já contendo os conceitos de felicidade e de Vontade e Representação em Schopenhauer explicados, o que se quis dizer com "não se sabe exatamente o que é" que a filosofia busca. E também, na mesma afirmação, explicar-se-á aquilo que se quis dizer com "Muitos foram os que tentaram descobrir o sentido da vida, sempre em vão".
Essas afirmações giram em torno do sentido da vida. Já com as concepções de Schopenhauer, com a Vontade, com a felicidade, e com a representação, podemos analisar que este não se dá. O sentido da vida, ou o objetivo, não aparece aos seres humanos, simplesmente pelo motivo básico: esse sentido tão maravilhoso buscado não existe. Para Schopenhauer, a vida se resume a dor; a tentativa maior de negação dessa dor é a contemplação da Vontade, que pode se dar pelas artes (tema extenso demais para tratar agora), e a negação também da Vontade. Apesar de sua filosofia se estruturar assim, vale lembrar, Schopenhauer em nenhum momento defende o suicídio ou semelhante atitude. Não se pode fugir da Vontade, fugir de si mesmo. Um juízo deste blog, afinal: a felicidade rara e que acontece em poucos momentos deve valer muito mais do que a felicidade banal dos outros sistemas metafísicos, e a de Schopenhauer é suficiente para que a vida seja preferível.
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